quarta-feira, maio 28, 2014

Entre estupros e apedrejamentos - Brasil, Paquistão e o lugar da mulher





Foto: Reuters. Publicada em: http://www.theguardian.com/world/2014/may/27/pregnant-pakistani-woman-stoned-to-death?CMP=fb_gu




Pregnant Pakistani woman stoned to death by family

Esse é o título de uma matéria do “The Guardian” que descreve como a família de uma mulher, comandada pelo seu próprio pai, a apedrejou até a morte por ela ter se casado por amor. O chamado “assassinato de honra” pune mulheres condenadas por adultério ou que tenham tido “conduta sexual inadequada”. É uma brutal afirmação do poder da família (especialmente dos homens) sobre o corpo e a alma das mulheres.

Ao ler a matéria, muitos brasileiros podem se sentir aliviados por não viverem em uma sociedade com costumes sórdidos como esse e podem se congratular pela confortável posição das mulheres em nosso país. Mas isso é verdade? Somos tão diferentes assim?

Infelizmente temo que as respostas para ambas as perguntas sejam negativas. Não somos tão diferentes assim, pois as raízes do machismo assassino estão fincadas nas bases da nossa cultura e não enxergar isso só torna o problema ainda mais grave.  

“Cidadãos de bem” indignados podem argumentar que não apedrejamos mulheres que se casam por amor...

Para responder a isso, vamos fazer um exercício de reflexão nada exigente. Algo bem simples. Vamos pensar um pouco sobre alguns acontecimentos recentes e ver o que eles nos contam sobre nós mesmos:

Todos devem lembrar de que uma pesquisa recentemente revelou que um quarto da população brasileira acha que mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser estupradas”. E em comentários de leitores na internet, em reportagens sobre estupro, vemos as frases mais absurdas sendo ditas com uma naturalidade assustadora. Coisas como “O que essa garota estava fazendo na rua sozinha de madrugada? Se estivesse em casa com a família nunca teria sido estuprada.” ou “Foi estuprada voltando de um baile funk, grande surpresa. Imagino como estava vestida.
Aliás, a internet tem esse estranho poder de liberar o fascista interior das pessoas. Faça uma experiência, leia os comentários dos leitores de qualquer matéria sobre a “Marcha das vadias”. Vão desde “Só tem baranga mostrando os peitos, um bando de mal comidas” até “São vadias mesmo, um monte de vagabundas que deviam estar em casa lavando roupas”.

Outra fonte reveladora de nossos demônios interiores são nossas novelas. Li que na atual principal novela global o grande dilema está sendo em torno de um casal gay. Em pesquisas promovidas pela emissora, o público demonstrou que até aprovaria o envolvimento das duas mulheres, mas não admitiria que elas vivessem juntas como um casal saudável, levando uma vida normal. Ou seja, o amor e a felicidade de uma vida a dois estaria reservada para as mulheres que se atraem por homens. E não vamos nos esquecer que em novela mais antiga, um casal de mulheres já foi demolido junto com um shopping.  Assassinato a mando do público... 

Somos tão diferentes dos paquistaneses, que alívio vivermos nos trópicos onde o carnaval iguala a todos e as mulheres são livres para viverem em paz. Elas só precisam cumprir algumas exigências:

Usar roupas adequadas;
Nem pensar em sair às ruas para protestar;
Se enquadrar nos padrões heteronormativos;
Ou ao menos não ousar ser feliz e homossexual ao mesmo tempo;
Cumprir jornada dupla trabalhando fora e “cuidando” da família.

...

O cidadão de bem, toma um gole de uísque, respira fundo para se acalmar e pensa: “É um país ótimo e para serem felizes elas só precisam aprender a respeitar algumas regras. É tudo tão simples, mas parece que algumas mulheres não conseguem entender. Mas vamos ter paciência com elas, afinal são só  mulheres...

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